quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Contos de Alfred Hitchcock

(Esses contos foram escritos por Alfred Hitchcock em sua juventude, antes de ir trabalhar nos estúdios de Islington, que pertenciam a Famous Players-Lasky. Foram publicados entre 1919 e 1921. Conforme for os traduzindo, publico aqui. Esse é o primeiro.)

Gás

Ela nunca estivera nesta parte de Paris antes, apenas lera sobre isso nos romances de Duvain; ou a vira no Grand Guignol. Esse era o Montmartre então? Aquele horror onde espreitava o perigo oculto pela sombra da noite, onde almas inocentes sucumbiam sem sobreaviso — onde perdição confrontava os imprecavidos — onde os Apaches se regojizavam. 

Ela andava cuidadosamente debaixo da sombra da parede alta, olhando furtivamente para trás pela ameaça oculta que poderia estar no seu encalço. De repente ela disparou por um beco, sem prestar atenção para aonde ele a levava — tateando seu caminho naquela escuridão densa, o único pensamento em eludir o perseguidor fixada firmemente em sua mente — ela seguia em frente — Oh! quando isso iria acabar?

Então uma porta pela qual saía uma fresta de luz surgiu diante dela — ali — qualquer lugar que seja, pensou ela.

A porta dava para um lance de escadas — escadas que rangiam devido a idade, conforme ela se arriscava a descer furtivamente — então ela ouviu o som de risos bêbados e tremeu — com certeza isso era — Não! Não isso! Qualquer coisa menos isso!

Ela chegou ao pé da escada e viu um bar maldito e asqueroso, com ruínas do que antes foram homens e mulheres imersos numa orgia ébria — então eles a viram, uma visão de pureza amedrontada. Meia dúzia de homens avançou contra ela, em meio aos berros encorajadores dos outros. Ela foi tomada. Ela gritou de horror — teria sido melhor ter sido agarrada por seu perseguidor, foi sua ideia passageira, enquanto eles a arrastavam grosseiramente pelo quarto. Os malditos não perderam tempo para selar o destino dela. Eles dividiriam o que ela tinha — e ela — 

Ora! Não era esse o coração de Montmartre? Ela deveria ir — os ratos iriam festejar. Então eles a amarraram e a carregaram pela passagem sombria. Subindo um lance de escadas para a margem do rio. Os ratos do rio iriam festejar, eles disseram. E então — então, balançando o corpo dela para frente e para trás, a atiraram com um estrondo nas águas sombrias e revoltosas. Mais fundo, ela ia, mais fundo, mais fundo; conciente apenas da sensação de afogamento, essa era a morte.

— então — 

“Já saiu, madame,” disse o dentista. “Meia coroa, por favor.”

Henley Telegraph, junho, 1919

Tradução de Gustavo Salvalágio.


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