quarta-feira, 15 de julho de 2015

Sobre trailers e reações

























1.

Que cinema é coisa de paixão, e que essa paixão pode tomar a forma de favoritismo, isso já se sabe, desde os tempos da Photoplay. O espantoso é a dimensão que a coisa tomou, em particular com o advento da internet. Algum imbecil da objetividade poderá afirmar que isso ajuda a vida dos estúdios e dos realizadores, podendo ter nisso um termômetro da expectativa e reação do público, contribuindo para melhores filmes. Ledo engano: o público é monstro de mil cabeças mesmo, e ao estúdio pouco interessa um bom filme, interessa um bom produto, mas isso já é afirmar o óbvio. Operação diferente da de Dickens, que pesquisava o que o público sentia sobre seus folhetins, e levava isso em consideração ao continuar a história — coisa que se pode fazer quando se gasta somente tinta e papel. 

2. 

A ideia que move esses eventos paquidérmicos é a do buzz, um ruído incessante, alienante e anestesiante. O velho boca a boca do cinema foi cooptado pela publicidade. Realizadores e vedetes promovem o filme e o falso senso de proximidade com seu público. O ato de realizar o filme foi embelezado e conformado à estética making of. Tudo parece acessível ao público, mas não poderia estar mais distante. O talento dessa máquina é fazer parecer com que o filme tenha sido feito somente para você  — o fã, aquele que se alimenta incessantemente do produto, a base da pirâmide — e que suas preocupações e concepções sobre o que um filme sobre super-heróis (que é a bola da vez) deve ter, e ser, foram levadas em consideração. Isso se dá com qualquer forma seriada de ficção. O espantoso é o refinamento da máquina. Não há mais cortina que separe o pequeno Mágico de sua imagem verde e ampliada, mas as Dorothys e Homens de Lata e Leões Covardes e Espantalhos se contentam apenas com o holograma e se dão por satisfeitos com a imagem apaziguadora. 

3. 

Se faz necessária a falsa polêmica, para que o filme crie para si um senso de importância inflado, auto-suficiente e que o justifique intelectualmente. Qualquer camiseta serve, desde que neutralize a polêmica, seja racismo, feminismo, luta de classes. Nos filmes do Nolan foi a guerra ao terror. (Coisa bem estranha, pois o Batman sempre me pareceu um xerife de faroeste, tendo em Henry Fonda de Paixão dos fortes um modelo). À isso, oponho um filme como They live, aonde a crítica à reaganomics em particular, e ao neo-liberalismo em geral, é parte integrante e orgânica do argumento: ela vem das coisas filmadas, em lugar de filmes que impõem uma mensagem às coisas filmadas — o que é procedimento da publicidade. 

4.

O trailer é essa pedra de toque entre os realizadores (no sentido bressoniano, no caso do Snyder) e público. Atira-se para todos os lados, se tenta satisfazer todos os demográficos, que é empreitada insensata e dedicada ao fracasso (como a do personagem do Mastroianni em Oito e meio). As imagens desconexas se acumulam, permeadas de lugares-comuns ("luz contra as trevas") — tudo dedicado à pacificar os fãs, que sobrevivem à uma dieta de inutilidades viciantes — notícias como "veja o set de filmagem", "novas fotos promocionais", declarações cuidadosamente selecionadas. Esses próprios fãs tratam de analisar o trailer e outras notícias e factóides, sem saber que estão desempenhando um papel muito bem programado pela máquina publicitária. 
— E quem sai perdendo nisso tudo é o cinema e o espectador. O filme se segura por assuntos fora do filme — se tal história dos quadrinhos foi usada, qual encarnação do personagem foi a inspiração principal, comparações inócuas entre as outras adaptações, e, principalmente, se ator X ou atriz Y é ou não é a pessoa mais indicada para tal personagem — discussão que é o cúmulo do fricote do fã, pois nessa discussão a coisa que menos importa é a prestação do ator ou da atriz, mas sim o gosto particular do fã que critica o ator ou atriz, um gosto deslocado de qualquer assunto ao qual o cinema toca (pelo menos enquanto arte, enquanto fato social o assunto é outro).

5.

Por final, o problema principal é o direcionamento da série (coisa da qual o Zack Snyder é apenas uma das partes envolvidas; ele é apenas um dos problemas). Filme de comitê não costuma dar em coisa boa, muito mais tendo o Snyder — que é o Peter Greenaway dos filmes de ação, isso é, um publicitário — como diretor.  




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