sábado, 4 de julho de 2015

Sobre pequenos objetos

Pode um filme inteiro estar contido em um objeto de cena? Um filme como o Cidadão Kane, de Welles? Mas é justamente isso que ocorre — o filme inteiro é aquele globo de vidro que Charles Foster Kane tem na mão, segundos antes de morrer. Pode-se olhar para ele por qualquer ângulo que se desejar, mas jamais se entrará naquela casinha perdida no meio da neve e do tempo. E quando ela quebra — tendo escorregado pelos dedos moribundos de Kane, coincidindo com o instante de sua morte — a água que mantinha esse tempo suspenso, se liberta e retorna ao cosmos, não podendo, jamais, ser contida novamente. Resta a nós somente contar os cacos.

4 comentários:

  1. A unidade aparente dentro de um único elemento do filme tenciona a influência principal – sobre o todo que cerca a narrativa – do filme para um desencadear livre ou aparentemente livre. Contudo, esse resultado não é o caminho para ele, com o objetivo de evitar que o filme se afunile para uma única força é preciso abir mão da força central, Welles faz isso nas cenas que não tratam de Kane, dentro das cenas que tratam das proporções dos outros ele dá mais certeza moral ao discurso, julga as reações pela via do ângulo, já quando Kane pode ser visto ele, concordo com você, retorna ao objeto sempre. É essa a virtude da montagem que junta coisas com o caráter diverso do juízo compositivo com outras exclusivas da vontade por uma única força: na montagem, algumas vezes, a forma se sobrepõem ao elemento dramatúrgico para em seguida emergir a velocidade que compõem o destacamento central.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. No geral, o Welles filmava histórias que tinham ele — os personagens dele — como centro e sabota isso enquanto pode, usualmente de maneiras espetaculares: os personagens dele são rasgos no filme — demolem tudo que vem pela frente. No caso do globo, acho que é força do filme revelar o globo como algo tão central, quase como (desculpe pela metáfora brega) um coração de gelo: transparente, mas inacessível, como são as vidas públicas, gente como o Kane, generalizando.
    No caso do filme, acho que ele acaba se afunilando um pouco mesmo, tanta é a presença do Kane. Num filme como Toque da maldade, o negócio anda melhor, justamente porque o Welles abre mão da força central, para encontrar outras forças no filme (o personagem do Heston, e, principalmente, a personagem da Dietrich, mas também nas sequencias do motel, com a Janet Leigh.
    E, de acordo, a montagem (na câmera mesmo, também) junta tudo à mesma força, tanto que o globo (ainda insistindo nisso) tem seu potencial revelado.

    Por sinal, já lesse a crítica do Borges ao filme? Junto com as do Paulo Emílio, são as melhores.

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  4. Nunca li, tem como tu me passar alguma delas?

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