Com a palavra, o amigo Marcelo Ribeiro:
O filme Miss Violence possui enquadramentos centralizados. Prioriza as ações que se desenvolvem no plano como força narrativa, opta por uma montagem ritmada, mas que não domina a imagem completamente. O som aparece como elemento externo ao plano, apenas, quando ele é justificado por algum enquadramento anterior. Nesse filme está claro que existe a opção de conservar uma imagem por vez, dentro da narrativa não existem acontecimentos paralelos. Os outros “núcleos” aguardam enquanto o foco narrativo acontece no movimento escolhido.
O argumento aparece ao longo de pistas que vão dando constância para a dramaturgia do filme se desenvolver, essas pistas são na verdade pequenos detalhes ressaltados – pelo foco narrativo – que se tornam força motriz para o comportamento dos personagens em relação aos acontecimentos futuros e passados (suas escolhas). A relação ambígua dos personagens acaba deformando os semblantes que eles carregam ao ponto de no fim do filme todos serem uma única vítima sem expressão. O que permanece caracterizado e sem mudança é a dependência em relação ao lar, o único elemento familiar que não muda na dinâmica dos personagens é a casa.
A casa é o centro dramático, é interessante perceber nas cenas fora da casa que não existe nenhum plano ou ruído sonoro que esteja solto, o ambiente externo só existe de modo intermediado por algum personagem, o exterior não aparece sozinho. O personagem (por sua vez) carrega um ponto de vista ofuscado pelo lar; com isso ficam claras duas coisas: não é possível criar uma certeza ou uma impressão – isenta – do ambiente externo, e também, quem vê o filme não pode ver ele livre da sombra do lar já que o intermediador dos ambientes é sempre o personagem.
O título e o cartaz do cinema definem o filme como violento, mas os acontecimentos da narrativa nem sempre são argumento de apoio para esse rótulo. Ao longo da narrativa (como no bom “thriller”) é comum ocorrerem fatos que desmentem essa opinião formada antes do começo do filme. A atenção narrativa não busca definir de modo repetitivo o quanto o filme é violento, a narrativa se desenrola de maneira trivial, o que lhe sedimenta a violência é a opinião pré-formada ser ultrapassada de uma hora para outra, dentro da estória (como no bom “thriller”), do violento para o muito violento. A opinião criada (pelo cartaz e pelo nome) antes do filme é sem dúvida uma comprovação de que a dedução do cinéfilo tende ao apaziguamento (mapeamento) conceitual – ainda mais quando “vivemos” de cinema e “vemos” um filme.
A primeira vista Miss Violence é um insosso filme feito para o “circuito de arte” que poderia ser feito em qualquer país do mundo (no mau sentido da expressão). A trilha sonora (por sua vez) também parece molenga, todavia, conforme corre a narrativa a música revela que foi habilmente escolhida. Miss Violence não é um filme musicado, talvez esteja nisso a força da trilha, a evidência externa-narrativa da escolha musical é a forma pensada que desencadeia a música como um elemento que não funciona para confirmar ou para negar, as ações dos personagens é que provocam a música, eles ligam a música.
O filme trata de um caráter perigoso da vida: para vencer um conflito é preciso antecipá-lo. A violência absoluta dentro de um conflito é aquela que existe como antecipação ao seu movimento normal. Miss Violence de “Alexandros Avranas” se aproxima muito de obras contemporâneas, com tema e qualidade parecidos, como é o caso de Bastardos de Claire Denis, O clã de Pablo Trapero e Incêndios de Denis Villeneuve.
(Nota minha: Dois diagnósticos precisos: esses filmecos "de arte" e o apaziguamento que eles desesperadamente negociam com mercado e público (caso contrário não existiriam), e esses filmes feitos sem noção de onde se vive (que é diferente de "cor local", que é mero comercialismo cultural). Esse último ponto é importante. No Brasil, se faz filmes apesar do Brasil. Segue-se uma cartilha Cannes-Berlin-Veneza-e-o-escambau, mas não se torna o olhar pra própria rua aonde se vive. Essa esquizofrenia está bem servida no cenário atual brasileiro, cenário "cultural", "meio artístico", aonde não se faz aquilo que Sganzerla chamou tão bem de Filmes de Cinema, mas se faz esses produtos culturais, seja Vik Muniz, essa nova música brasileira hipster-salafrária (como em Los Hermanos), seja as trapaças que se chamam de filmes em nossos festivais.
Em frente a isso tudo, devemos fazer aquilo que um amigo sugeriu, fazer uma mostra Ashton Kutcher num cineclube: ah!, mas a turminha descolada não iria entender a ironia! Os chimpanzés de zoológico se reconhecem perante um espelho, mas o estudante de cinema não ...)
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