terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Vidas descartáveis

Texto de Marcelo Ribeiro Filho

Imagens de Igor Pessoa


Estrangeiros em sua própria terra, os sem-teto carregam a dor de serem figuras estranhas e indesejáveis nas sociedades em que existem. Eles percorrem as ruas compondo um movimento fantasmagórico e anônimo dentro de uma estrutura que pressupõe que o desaparecimento ou a morte dessas figuras é completamente indiferente. Eles carregam em seu próprio semblante algo que é quase esquecido nas sociedades midiáticas, o fugaz da existência e o veredicto de que o momento não permanece.

Pensar na condição dessas pessoas, neste caso, requer uma postura que assuma o discurso como proveniente de fora; o relato é um movimento externo, baseado muito mais na experiência de atrito de pesquisas e sessões do que em um relato de alguém que vive a condição de rua. Uma profundidade ou texto melhor exigiria muito mais tempo para incorporar e amadurecer a pesquisa, e não o que temos aqui, apresentamos uma reflexão rápida (com base em 6 meses de trabalho). Rápido, não significa inválido ou desnecessário, pelo contrário, nas fotografias você pode encontrar um retrato firme e rigoroso do contemporâneo no Brasil.

Atualmente, o país está passando por uma recessão econômica e um período de intensa divisão ideológica na sociedade. É inegável que a crise brasileira agravou o que já era sério, os sem-teto estão entre os menos importantes, não por funcionários de entidades governamentais sérios ou ONGs que continuam fazendo seu trabalho, mas por grande parte da população. É possível afirmar, sem medo de erro, que a crise no Brasil aumentou, entre outras coisas, a indiferença e a raiva social. Basta andar na rua ou ler algo na rede para perceber que o brasileiro vê o brasileiro como um adversário. Atualmente, os sem-teto são considerados despolitizados ou portadores de vontades inferiores, de modo que o contexto atual os coloca fora das prioridades.

A produção dessa série de imagens exigia que o fotógrafo visse o contrário, fugindo da sistematização ou das fórmulas de trabalho. Era necessário abordar a aparente inconsistência dos sem-teto, para entender que a lógica que é colocada na ética deles é diferente e não é guiada pela homogeneidade. A realização das fotos aconteceu dentro do inesperado, a tentativa deve exceder as expectativas, o caráter fragmentário da imagem ajudou. Desde o início, ficou claro que as fotografias produzidas estariam muito distantes da mídia clássica, que assume a fotografia como um agente do infinito. Pelo contrário, essas imagens representam o transitório, talvez, o único documento de seres humanos que amanhã não estarão mais lá.

O paradoxo é que, no momento em que criamos algo atento a uma característica tão importante como a relação com a temporalidade dos personagens, a imagem tende a ter esse rosto. A coleta de imagens apresentadas nesta breve introdução lida com eventos e vidas que provavelmente serão vividos intensa e rapidamente, mas as marcas que essas vidas deixarão em qualquer história secular da humanidade são inegáveis.