Havia um gigante encerrado entre os muros da cidade. Era a praça central onde ele cochilava, respirando, e o tráfego próximo a ele era interditado devido a inúmeros acidentes automobilísticos decorrentes da respiração do gigante.
Dado o seu tamanho, inúmeras correntes o prendem à cidade. Em geral, as correntes se dispõem de forma tal a seguir o desenho de artérias e veias, com uma corrente maior que termina num sem fim de menores correntes. Essas menores correntes podem ser manejadas, e certamente já o foram por crianças, enquanto as maiores tiveram auxílio internacional apoiado pelas organizações aduaneiras de comércio livre…
O gigante sempre está a dormir, e os mais antigos não conseguem se lembrar se já o viram acordado por mesmo que seja um instante mais brusco entre dois sonhos. De tempos em tempos, canta o gigante em uma voz mansa e embala o sono da cidade e facilita o trabalho dos leiteiros e das moças-da-noite. Os mais antigos dizem que o gigante foi trazido devido a sua voz que canta em nenhuma língua específica, mas em murmurejos da água do rio, dos ditames do vento, da métrica da chuva. Mas o gigante apenas canta enquanto sonha, e seu sonhar é de períodos inconsistentes com por vezes longos intervalos entre eles. De fato há pessoas que dizem jamais ter ouvido o canto do gigante e afirmam que é impróprio encarar o gigante como um fato já estabelecido e julgam sequer haver um gigante ou que esse gigante já morreu e suas correntes que se espalham nas mais variadas direções e em todos os cantos da cidade e servem como esqueleto de diversas construções apenas permanecem por respeito a uma história passada que definha na memória dos antigos. Entretanto, quem mais admira e aprecia o gigante são as crianças. Naturalmente, é impossível aproximar-se do gigante mas as crianças gostam de esperar pelo seu canto e diversas brincadeiras infantis provêm da antecipação do canto do gigante. As crianças gostam de imitar o gigante e muitas começaram já a cantar dos seus sonhos as músicas sem palavras.
Sabe-se que o gigante canta somente dos seus sonhos mas não se sabe com o que ele sonha. Nas academias foram feitas teorias discordantes entre si quanto à matéria do sonho do gigante que podemos apenas perceber pelo seu canto. Há teorias que afirmam que o gigante irá um dia acordar e com ele levar toda a cidade assim apagando-a da face da terra e arrastando seus destroços por onde passa. Outra teoria afirma que já aconteceu assim a uma outra cidade e o gigante por motivos que são somente dele decidiu vir dormir nesta outra cidade. Esses cidadãos vivem em constante medo. Muitos deles têm seus filhos e os proíbem de mencionar o gigante e de cantar como ele.
Todos sabem por que o gigante dorme mas ninguém sabe por que ele sonha e nem o porquê do seu canto. Passarinhos vêm constantemente fazer ninho nos seus ombros e na sua cabeça e nas suas mãos abertas. O gigante não tem nome.
[Der Riese, 1919, Sils im Engadin]
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