sexta-feira, 3 de julho de 2015

No cinema há autores. Pode acontecer desse autor não ser o diretor, naturalmente. (Esse é um problema de quem confunde política dos autores com teoria do autor). Um ator talentoso pode imprimir seu ritmo particular ao filme, pode ser a força que impulsiona o filme. (Um exemplo recente desse fenômeno "diretor-nulo-filma-ator-autor" pode ser O lutador, de Mickey Rourke, ou os filmes de ação do Liam Neeson). É o caso de Jerry Lewis, e foi o caso de Eddie Murphy.

Digo que foi o caso pois um filme como O grande Dave não faz justiça ao ator que fez Trocando as bolas (uma digressão: John Landis parece um especialista em trabalhar com gente difícil, foi o Michael Jackson, o próprio Murphy, John Belushi...).

Fui assistir Um tira da pesada. Desconheço os outros filmes do Martin Brest. Sei que fez Perfume de mulher, que, de reputação, parece ser a antítese do que Axel Foley representa.  Me parece que qualquer pessoa poderia ter dirigido Um tira da pesada. O filme claramente pertence ao Murphy.

Axel Foley é um bom policial negro de Detroit. É um pé de chinelo, quase que por opção. Vive em enrascadas, tanto com a polícia reacionária e com os criminosos. Morre um amigo seu e ele vai a Los Angeles investigar, no lugar mais branco do mundo, Beverly Hills.   

Mas Axel não é burro. Engana a todos os brancos que o querem rebaixar. Se o jogassem uma banana, ele não começaria uma campanha fraudulenta como "somos todos macacos", mas, como o faz no filme, a usaria para sabotar os imbecis. Seu humor sarcástico atravessa o filme e as condições sociais que tentam rebaixá-lo.

E é lá pelo meio do filme que me ocorreu: esse humor sarcástico do personagem só pode ter vindo de quem sente na pele o racismo e a boçalidade dominantes. De quem se endurece e trabalha o humor como arma. Aqui o humor está em sua forma plena. Ele contesta as estruturas, as desarma e as desestabiliza. Eddie Murphy ri de tudo e de todos. Mas é inclusivo esse humor. Ele convida qualquer um a entrar na baderna, forma amizades, desmascara hipocrisias. No final, quem não ri, quem é imune a esse humor, é vilão.

Enquanto houver o racismo, haverá também os Eddie Murhpys e os Richard Pryors para lavar a alma daqueles que sofrem, e para desmascarar os hipócritas e otários.




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