quarta-feira, 1 de julho de 2015

ENCONTROS NO FIM DO MUNDO

"He was alone. He was unheeded, happy and near to the wild heart of life."

James Joyce, A portrait of the artist as a young man, IV.


"I love nature but against my better judgment".

Werner Herzog.


1. É preciso se perguntar como e porque os documentários feitos por Werner Herzog se diferenciam da maioria. De início, ir filmar na Antártida não é fora do comum em documentários. O Discovery Channel está repleto deles. Herzog é coerente com o nome do canal: filma uma descoberta, várias. Usualmente, o documentário cai nas garras da cultura da informação (feita por, e para, o que Nelson Rodrigues chamou de "os imbecis da objetividade"). Herzog é um dos realizadores que nós lembra o porque o documentário surgiu. Seu filme está em pleno acordo com a tradição que se iniciou em Flaherty: filmar é ir a um encontro. Faz sentido, também, que o filme se chame Encontros no fim do mundo.

2. O prazer da descoberta, o ato de encontrar algo, é o centro do filme. Pode-se, com algum exagero, certamente, se perguntar se esse prazer, esse ato, não seria o fundamental do cinema. Naturalmente, isso é desconsiderar que descobrir, felizmente, não é exclusivo somente ao cinema. Depois de alguns minutos vendo o filme, deixa-se de se espantar com o encanto e alegria dos entrevistados: como poderiam deixar de estarem encantados?, como poderiam deixar de se alegrar? Estão no fim do mundo, estão no início do mundo. A majestade do espaço polar, em lugar de assombrar e imobilizar o homem, na verdade o propele à ação. As pessoas que habitam esse lugar não diferem muito, e certamente conhecem o sentimento, dos homens que primeiro navegaram os oceanos, sem saber quando iriam encontrar terra firme, ou se cairiam borda do mundo afora.

3. O papel que o documentarista desempenha é semelhante a de um visitante. Ele é convidado, ou se convida, à algum lugar, conhece pessoas, filma eventos, recolhe informações, ouve histórias; em suma, ele aprende algo. O bom documentarista está sempre num processo de aprendizado. Pode-se dizer que ele está numa posição de humildade diante do mistério da vida. Ele não embeleza, não estetiza a vida, não busca representações, ou símbolos. Seu lema é o de Bresson: "Nada de bela fotografia, nada de belas imagens, mas imagem e fotografias necessárias". Em suma, ele sabe aonde parar. Ele não é como Michael Moore, tendencioso e demagogo, mas, sim, um educador: a real educação, que consiste em criar interesse, despertar curiosidade, e um gosto pelo saber.

4. Pode um filme, que dirá um plano, conter a história do homem e do mundo? A cada encontro nessa terra inóspita, percebemos a presença do homem. Viajamos e exploramos, sim - mas levamos de casa todos os nossos problemas. Na Antártida a condição humana vem à tona sob o céu azul de seis meses. Vemos isso a cada entrevista e na narração de Herzog. Nossas contradições, nossa força e nossa fraqueza, são reveladas pela luz que toca o sexto continente. O comportamento do pinguim que persegue a montanha à uma distância impossível seria, portanto, tão estranha a nós?

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