Uma das conquistas do cinema sonoro foi a descoberta do silêncio — o silêncio quando se espera ou se imagina alguma coisa.
No tempo do silencioso, ignorava-se o silêncio: havia sempre nas salas de projeção o pano de boca da orquestrinha, como hoje o pano de fundo musical.
Me ocorre tudo isso ao ver Frenesi, o último filme de Mestre Hitchcock, que, Deus o abençoe, não criou mofo com a velhice.
Há, neste filme, uma esquina terrivelmente silenciosa, sem ninguém. E uma escada deserta, por onde sente-se que o silêncio vai subindo. Um truque da objetiva, sim, mas pura magia do Mestre.
Aliás, o silêncio é que torna tão impressionante — tão de outro mundo — uma rua numa tela. Que torna tão encantadoras as crianças naquelas cenas familiares pintadas pelo velho Renoir. E mesmo lendo-se um romance, ouvindo-se um drama — nós o fazemos em um silêncio de almas desencarnadas, isto é, quando nos vemos livres de nós mesmos. Esse, o milagre da arte.
E, diante disto, bem se poderia dizer que toda arte é feita de silêncio — inclusive a música.
Mário Quintana, A vaca e o hipogrifo, 1977.
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