sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O Novo e o Velho

No sábado fomos à Casa Vermelha para ouvir as novas e velhas músicas do amigo Filipe Burgonovo (nome de guerra: Saddam). Fica na Conselheiro Mafra, em meio às pequenas lojas e à luz amarela dos postes elétricos. Por uma pequena escada se chega na secretaria da Casa Vermelha, forrada de madeira e de branco. Na sala adjacente foi o show, num quarto preto e sem janelas. Me pareceu apropriado, então, que a única luz do quarto negro fosse verde — porque Música verde é a única maneira que encontrei pra tentar nomear o tipo de música que faz o Filipe: às técnicas do fingertapping e dos loops dos diferentes sons que ele tira do violão, ele contrapõe uma organização desses sons, uma ordenação, a criação de um espaço sonoro, uma paisagem. Ouvi-lo fazendo isso é como sair a pé no campo e se embrenhar num bosque. Ao passo que a trilha vai se fechando e se tornando mais árdua, melhor é a trilha — e melhor vai se tornando sua música. Vamos transpondo terreno, descendo por declives, subindo morros, escutando o som de animais e, ao longe, o som de água. No final nos encontramos no topo da colina, a paisagem feita extraordinária também por nosso esforço. 

Menciono a natureza e seus sons porque me parece impossível colocar a música feita em comparação com qualquer outra coisa já feita. Parece que a única fonte de inspiração do Filipe são os sons que se ouve quando se está longe da cidade: os pássaros, o som do vento nas árvores, o ruído de água e de nossos passos no chão da floresta são os únicos sons aos quais sua música se equipara. Sua ambição parece querer fazer que a música retorne a seu habitat natural, o lugar de onde veio, o que por si só já é ambição notável nesse nosso tempo de música cada vez mais abstrata, eletrônica e alienada. Mas há mais uma dimensão na sua música que a torna de fato memorável.

Filipe parece não tocar seu instrumento, mas sim ouvir as coisas que o instrumento fala para ele. É como estar numa roda de conversa com os amigos, na noite alta. Menos que executar suas músicas, parece um diálogo entre músico e som. Existem hesitações, pausas na conversa, momentos de riso e momentos que seguem quando se concorda ou se discorda de algo falado no diálogo. Não há a graça falsa dos meros virtuosos no instrumento: há real vigor e encanto pelo mundo nessa música; ela não engana, não se mascara, não se impõe por intermédio de nada que não ela mesma, e o que ela é — compartilhar algo, seja a quem for, desde que haja ouvidos para ouvir.

Ouvindo suas músicas tem-se a impressão de ver algo muito novo e também muito velho — o encontro do homem consigo mesmo.


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