Continuando:
163. A seriedade no ofício. — Só não falem de dons e talentos inatos! Podemos nomear grandes homens de toda espécie que foram pouco dotados. Mas adquiriram grandeza, tornaram-se "gênios" (como se diz) por qualidades de cuja ausência ninguém que dela esteja cônscio gosta de falar: todos tiveram a diligente seriedade do artesão, que primeiro aprende a construir perfeitamente as partes, antes de ousar fazer um grande todo; permitiram-se tempo para isso, porque tinham mais prazer em fazer bem o pequeno e secundário do que no efeito de um todo deslumbrante. É fácil dar a receita, por exemplo, de como se tornar um bom novelista, mas a realização pressupõe qualidades que geralmente se ignora, ao dizer "eu não tenho talento bastante". Que alguém faça dezenas de esboços de novelas, nenhum com mais de duas páginas, mas de tal clareza que todas as palavras sejam necessárias; que registre diariamente anedotas, até aprender a lhes dar a forma mais precisa e eficaz; que seja infatigável em juntar e retratar tipos e caracteres humanos; que sobretudo conte histórias com a maior freqüência possível e escute histórias, com olhos e ouvidos atentos ao efeito provocado nos demais ouvintes; que viaje como um paisagista e pintor de costumes; que extraia de cada ciência tudo aquilo que, sendo bem exposto, produz efeitos artísticos; que reflita, afinal, sobre os motivos das ações humanas, sem desdenhar nenhuma indicação que instrua nesse campo, e reunindo tais coisas dia e noite. Nesse variado exercício deixe-se passar uns dez anos: então o que for criado na oficina poderá também aparecer em público. — Mas como faz a maioria? Não começa com as partes, mas com o todo. Um dia podem acertar um bom lance e despertar a atenção, mas depois fazem lances cada vez piores, por boas razões, por razões naturais. — Às vezes, quando faltam o caráter e a inteligência para dar forma a um tal plano de vida artística, o destino e a necessidade lhes tomam o lugar e conduzem o futuro mestre, passo a passo, através de todas as exigências de seu ofício.
Muito bom, rapaz! Um leão por dia e a gente chega lá.
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