segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Sobre chutar cachorro morto

Algumas notas sobre o oscar não visto (a internet providenciou os "melhores momentos"):

1. A apresentação do Chris Rock foi muito boa; "nós não protestávamos contra o Oscar em '62, '63, estávamos protestando contra coisas reais": manter as coisas em perspectiva. O Oscar é a festa de frivolidade e protestar contra isso já é uma forma de frivolidade.

2. Sobre os filmes e quem ganhou ou deixou de ganhar, não comento, porque da lista dos "melhores filmes" só vi  Mad Max: Fury Road, que me pareceu incompreensível na primeira vez que vi, em 3D, e, numa revisão em 2D se sai muito melhor. Estranha compulsão em fazer filmes em 3D que não pedem por isso: a geometria da ação em Mad Max em linha reta funciona somente em 2D, dentro de um controle maior do movimento dentro do plano. Ao frenetismo da ação, Miller impõem ordem. Da outra forma, eu não consegui ver o filme, nenhuma imagem se fixava. O 3D, diferente da cor ou do som (duas revoluções no cinema com as quais é frequentemente comparado), ainda não mostrou ter real utilidade à ninguém que não às cadeias de cinema e aos estúdios, que cobram mais caro por um filme exibido nesse formato. Isso e a oportunidade de escolha entre ver o filme em 2D ou 3D confirmam, pelo menos para mim, a inutilidade do formato. Concordo com Inácio Araújo quando ele afirma que o 3D funciona melhor com o irreal, com as imagens fugidias do sonho. Mad Max, por outro lado, me pareceu depender inteiramente da concretude de sua decupagem. Miller é um diretor que vende o irreal com real. 
   (Fiquei desapontado com a derrota do Stallone, e menos surpreso do que esperava com a vitória do Iñárritu, diretor da moda, sinuoso e ectotérmico, muda de pele a cada filme. Por outro lado, achei hilária a reação do Morgan Freeman ao ler Spotlight como o melhor filme. Era algo entre irritação e incompreensão, uma resposta à cerimônia inteira, talvez.).

3. A sessão do programa que "honra" os falecidos do ano, usualmente muitos excecutivos anônimos entre os rostos mais conhecidos, me serve de sismógrafo para entender essa cerimônia industrial e insólita. É quase como uma tentativa de escrever uma pequena história do ano no cinema, quem merece ser lembrado, e quem merece ser esquecido. Acho que desde a ausência da Danièle Huillet da lista não ocorria tamanho disparate. Ignorar gente como Manoel de Oliveira e Jacques Rivette (e Setsuko Hara, Roddy Piper, e muitos outros) serve como uma declaração de princípios da premiação e do mercado e publicidade em seu entorno e alimentados por ela. É uma clara demarcação, um celeiro, do cinema. Para o Oscar, grande parte do cinema não existiu, e não existe. A cada ano, o senso de isolamento e insularidade aumenta, a festa diminui. 
  Mas nada disso realmente importa. O cinema (os filmes) é, felizmente, grande demais e o Oscar, pequeno demais e do mesmo tamanho do audiovisual. Serve somente para os trambiqueiros ganharem seu pão. 

E a melhor análise do Oscar: essa.

Dedicado à Glória Pires.

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