Texto do amigo Marcelo Ribeiro:
Esse filme pode ser considerado uma saída para uma criação dramatúrgica mais coesa e menos ingênua se compararmos com as obras anteriores do diretor. É óbvio que deve-se respeitar a realidade histórica e não criar maquinações de mais nas comparações, porém, não acho essa afirmação exagerada. É a analise da realidade histórica passada que faz com que Glauber crie um cinema mais analítico e direto nas imagens.
A narrativa não tende ao discurso revolucionário fechado. Os personagens caminham na primeira divisão (até a morte do cangaceiro) do filme em uma direção supostamente didática, só que depois dessa virada, Antonio das Mortes que pelo discurso e postura demonstra que já vinha pensando sobre seu papel descamba para o messianismo, mas não é o messianismo dos primeiros filmes, heroico. É um messianismo sem lugar, assim como o filme que busca cruzar as mais opostas visões políticas em um realidade histórica que constata que nenhuma delas tem perspectivas reais de mudança. Mais do que isso, a realidade onde os amores foram perdidos é trocados pela erudição de alguns poucos, o mesmo que nada para alguém como Antonio das Mortes que busca o rival e encontra seres despolitizados pela barbárie cotidiana da política.
Disso fica claro que nesse filme existe uma tentativa de amenizar alguns estragos ideológicos que envelheceram mal nas outras obras. Contudo, não é um filmes de correções é um filme de revisão, um mecanismo consciente que busca respeitar a memória da visão anterior e ao mesmo tempo evitar o romantismo.
Percebo que Antonio das Mortes realmente sente pena dos beatos, Glauber quis assim. Não terminou a luta como havia pensando, agora tem que lidar com a imagem do messias em si mesmo, incorpora uma mistura de compaixão e remorso. Ao seu lado o professor que não crê que existam lutas igualmente importantes tece uma espécie de discurso sobre o filme, quase um comentador do que acontece na tela.
Glauber se relaciona ativamente com a nova realidade histórica que lhe esperava, soube tecer em o “Dragão da maldade” coisas inimagináveis em seus três primeiros longas. Recoloca ambiguidade aonde o discurso pronto não permitia, por exemplo, na cena onde o coronel e os jagunços vão atrás de Antonio das Mortes, o Coronel diz algo como “se Deus vai ajudar um criminoso, vai me ajudar porque derramei menos sangue do que você”. O que isso quer dizer? É claramente a erupção de um novo tipo de personagem (é possível classificar como antagonista) que ao longo dos filmes da década de setenta e de “Idade da Terra” se desenha como alguém em aberto moralmente; com certeza um agente do poder e praticante de seus benefícios, porém não muito distante eticamente do protagonista. O filme lida com a diferença que separa o Coronel de Antonio das Mortes. Questão central para Glauber depois do 1969: qual o discurso possível para eles depois de tantas semelhanças?O filme não responde. Por situações como essa acredito que Glauber tenha contribuído para um cinema menos óbvio.